Eu vou lhe contar uma história, a história de um garotinho, um garotinho que sentia demais. Ele tinha uma vida muito boa, era a alegria da mãe, solteira, e dos avós, pais da mesma. Vivia com eles, mas fora criado pela madrinha, de onde considera mesmo sua verdadeira educação e disciplina. Amava intensamente essas pessoas, todas elas sem dúvida conseguiam preencher o lugar da ausência do pai, que ele desde pequeno aprendera a ignorar a sua existência. Mesmo pequeno, ele sentia-se diferente, sabia que seria diferente de todos, só não sabia a razão de sentir isso. Os anos foram passando, ele sempre crescendo muito, sempre muito inteligente na escola, tinha prazer em impressionar aqueles que o amavam.
O tempo passou, e ele continuava se achando diferente dos outros meninos do colégio, dos poucos amigos que ele tinha. Se dava melhor com as meninas, e tinha a amizade de muitas delas na escola, mas restringia-se à isso, fora da escola era só ele, ele e a família que tanto amava. Foi então que chegou a notícia de que ele teria uma irmã, sua mãe ficara grávida pela segunda vez. Ele não sabia exatamente o que isso significava, então decidiu entender a notícia como um presente de natal que estava chegando, contou a todos os amigos, professores, que teria uma irmã em breve, mesmo sem saber como se sentir sobre isso ainda. Semanas depois, talvez alguns meses, algo começou a mudar. Ele sentia vontade de chorar a todo momento, segurava até o último nó na garganta e quando não era mais possível segurar ele soluçava, as lágrimas caíam violentamente. Certa vez, no meio do almoço com a madrinha e a prima, ele chorou, exatamente ele não sabia da onde, só sabia que uma angústia o tomava profundamente e ele chorou. A madrinha não entendeu a razão, mas fez o choro parar em alguns minutos, dizendo palavras reconfortantes e sábias. Passou. Apesar de a cena ter se repetido mais algumas vezes, passara.
Então o natal havia chegado mais cedo aquele ano, um belo dia a noite, sua irmã resolveu aparecer antes do momento, a bolsa de sua mãe estourou, os dois estavam sozinhos em casa, moravam sozinhos agora. Seus avós à algum tempo haviam se mudado pra outra cidade, para perto do mar. Foi então que ele sentiu, não pela primeira vez, algo não estar correto naquela cena toda. Meses depois confirmou-se, e a parte errada estava na prematuridade da irmã, havia nascido três meses antes do previsto, e parecia ter ocorrido vários problemas, coisas que ninguém contou para ele, mas que ele percebeu, escutando conversas das pessoas que vinham pra casa de vez em quando, só de passagem, e apenas diziam que tinham voltar ao hospital. Sua mãe havia passado em casa algumas vezes, mas passava a maior parte no hospital, ele não entendia direito o que estava acontecendo, tudo estava confuso como nunca estivera e a angústia tomou conta novamente.
O tempo passou e agora a sua irmãzinha havia completado um ano, as complicações do seu nascimento haviam implicado em toda sua vida, ela teve uma espécie de coagulo no cérebro, algo sobre um líquido que havia se criado la dentro, e que afetou toda sua coordenação motora e toda sua mente. Ela jamais andaria, jamais falaria, jamais entenderia alguma coisa, qualquer coisa que seja, talvez jamais pensaria.
Com 11 anos, o pequeno garoto tentava entender isso, com 12 ele tentou, e repetidamente aos 13 e 14. Ele jamais sentiu-se tão sozinho, os problemas em casa eram grandes, pois tudo implicava em estar o tempo todo acompanhando a sua irmã, todos com atenção redobrada. Era difícil, tudo era difícil agora, os dias tornaram-se agonizantes, e havia a angústia em todos os dias na vida dele, apesar de ele conseguir esconde-la muito bem.
Aos poucos ele foi se acostumando e descobriu outra coisa que o distraiu, ele gostava de meninos, e não das meninas como seria o certo. Como explicar isso? Ele não sabia, mas parecia tão óbvio, parecia estar ali na frente dele o tempo todo. Isso tirou um pouco da agonia diária que era ver sua irmã vivendo uma vida que ele considerava totalmente injusta. Descobriu então que era homossexual, ou talvez bissexual, enfim, não importava, afinal agora ele entendera a razão de sempre se sentir tão diferente de todos os outros meninos. Não demorou tanto pra ele perceber que isso traria mais problemas e mais sofrimento pra ele e pra família toda, que já tinha coisas com se preocupar. Mas ele não era culpado, sabia disso. Ninguém era. Afinal isso não era normal?
Os 15 e 16 anos passaram voando, mas foram totalmente proveitosos, ele aprendeu muito, já sentia-se adulto fazia algum tempo, já havia passado por muitas coisas, e agora enfrentava tudo, não tinha medo de mais nada, já aprendera muitas coisas sobre a vida, sobre relacionamentos, amizades, preconceito, sofrimento, sentia-se completamente maduro e responsável. Já havia namorado um garoto por mais de um ano, mas o garoto o deixara. Outra parte difícil foi ser deixado, deixar de ser amado e aceitar isso foi extremamente difícil para ele. Ele chorou noites e dias seguidos, parando para apenas tentar tomar conta de sua irmã (ele cuidava dela agora, enquanto a mãe estava no trabalho), não que ele nunca mais tivesse chorado, mas aquilo o fez sentir tão sozinho como ele havia se sentido apenas uma vez na vida. Realmente o machucou.
Ele então completou 17, terminou a escola e isso o assustava muito, tinha sido um ano extremamente difícil, sua irmã havia quebrado a perna duas vezes, o que tornava os dias, noites, e madrugadas a mesma coisa, aprendera a chorar quieto, sem ninguém ver, ou saber, no banheiro, no quarto, sufocando os soluços no travesseiro, ou deixando a água levar suas lágrimas embora.
Agora o medo tomava conta, seria esse medo normal? Coisa da idade? Ele achava que sim. Ao menos, esperava.
Então no meio de tudo ele o encontrou, o mais inesperadamente possível, ele sorriu pra ele. Ele o quis, ele o roubou com apenas um toque e um olhar.
Havia agora uma certeza que completaria sua vida da forma certa, da forma que agora ele queria, que ele sabia ser a fórmula certa pra uma vida feliz. Foi amor, foram os anjos, foram os espíritos bons, foi Deus que colocou ele ali naquele momento. E agora ele sentiu-se completo. Ele estava sozinho, sabia, aprendera, mas sozinho e com ele, e era isso que ele sempre quis, é isso que ele quer pra vida toda.
Entenda, ele sempre quis ele, e agora ele o quer também. Ele tem medo de perder, ele não pode perder dessa vez, ele fica desesperado às vezes, mas ele o ama.
abril 13, 2009
the simple history
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Lindo amor! Segurei-me pra não chorar, só por que to no meu trabalho rs
muito bom mesmo... sinto falta de você =/
te amo (L)
Postar um comentário